Eu estava preparado!
Fazia mais de uma semana que eu vinha pensando no que
perguntaria, com quem me encontraria, na companhia de quem eu estaria.

Chegou o dia. Eu não estava ansioso, apesar de ser a
primeira vez que ia passar por aquilo e pedia apenas que fosse a única. A
primeira parada: a sala de espera. Diversos rostos aguardando para passar por
experiências tão semelhantes mas tão diferentes da minha. Por algum motivo, o
ambiente transmitia uma estranha mas agradável serenidade. Passei alguns
minutos ali, acompanhado de familiares.
Ao ouvir meu nome ser chamado, passei para uma segunda sala, onde fui apresentado à roupa que eu deveria vestir. Um avental branco com uma abertura atrás. Tive que ficar nu, sob protesto. Lembrei daqueles filmes de hospitais, onde os pacientes andam pelos corredores com a bunda aparecendo. Era a minha situação. Ainda bem que a segunda ordem era retirar qualquer pertence que possuísse no corpo. Imagina se, passando no corredor, o celular na minha mão caísse no chão? Abaixar para pegá-lo seria vergonhoso. E quem estivesse atrás de mim teria que lidar com a visão do inferno.
Em seguida, me chamaram para passar à terceira sala: a recuperação cirúrgica. Ah, sim, eu não havia falado o motivo do texto até agora. Eu ia fazer cirurgia de maxilar. Ia colocar dois pinos na mandíbula. Mas o motivo principal era a experiência que eu ia ter – de saber como era o outro lado e ter minhas dúvidas respondidas por alguém.
Não caminhe para a luz! Era o que pensei quando deitei na cama e olhava aquelas pessoas ao meu redor que já estavam em situação de pós-operatório. Ao meu lado, uma senhora aguardava para fazer cirurgia de coluna. Percebi que o meu problema não era tão grande quanto o dela.
Passados alguns minutos, dois técnicos trouxeram uma maca e
me puseram nela. Entrei no corredor e via as luzes do teto passarem uma após a
outra, enquanto eu era levado à sala de cirurgia. E a estranha serenidade da
sala de espera me acompanhava pelo corredor.
Entrei na sala de cirurgia e enxerguei alguns outros profissionais, que eu saberia a seguir serem o anestesiologista e a equipe de apoio do cirurgião. O cirurgião disse para eu ficar tranquilo que a cirurgia era simples (fazer um furo de cada lado na minha mandíbula e colocar os pinos era uma coisa simples, claro!). E eu começava a retomar o que iria perguntar quando estivesse do outro lado. É claro que essas EQMs (experiências de quase morte) só acontecem em situações de coma, mas eu esperava que o CARA lá em cima abrisse uma exceção e me contasse alguns segredos.
Em seguida, o anestesiologista veio e me disse palavras que eu jamais esquecerei: Eu vou colocar a anestesia aos poucos na veia e você vai – aos poucos – sentir que está com sono. Falado isso, lembro que eu apenas disse “tá” e apaguei! Só lembro quando acordei já na sala de recuperação. DETALHE: Eu não tenho a menor lembrança de Nada! Nada do que eu planejei ocorreu. Nenhuma imagem, nenhuma frase, uma total escuridão. Nenhum sonho. Nada. Maldito Midazolan! Nenhuma pergunta respondida, ninguém dizendo para o meu EU interior: Não vá para a luz!
Ok, talvez seja para eu não saber de nada mesmo. Vai saber as consequências disso?!?! Mas uma coisa é certa. Tá de bom tamanho, não quero outra experiência de cirurgia.
Me olhando no espelho agora penso em com quem estou mais parecido: Com um cachorro pequinês, com os dentes de baixo parecendo estarem à frente dos de cima? Ou com o personagem Kiko, do Chaves, com a cara em formato de lua?