quarta-feira, 27 de março de 2019

Lembrai-vos da Guerra


          Estes dias eu estava lembrando de quando era criança, no final dos anos 80 e início dos 90. Eu morava em Curitiba e estudava em um colégio de freiras. Em outubro de 1990 ocorreu um Concurso de Poesias na escola. Um mês antes, eu havia me inscrito e meu pai, que é militar, sugeriu que eu declamasse a poesia abaixo. Foi um mês decorando a mesma. Todos os dias, à noite, eu lia, decorava os versos e em seguida recitava-os para meus pais. No dia, declamei a poesia vestido de militar. Tenho fotos que comprovam. O resultado foi que fiquei em primeiro lugar no concurso e ganhei um troféu. E aí está ela.


"Lembrai-vos da Guerra"
Letra do Cadete Ex Affonso Cláudio Figueiredo

 

Imensa formação de brancas cruzes,
Desfile mortuário de fantasmas,
Exótico mercado de miasmas,
Exposição de ossadas e de urzes...
Calado e mudo queda-se o canhão,
Apenas trevas cobrem a amplidão,
Que outrora foi um campo de batalha...
Calada e muda queda-se a metralha,
É morta na garganta a voz do obus.
O sabre traiçoeiro não reluz
Dilacerando e ensanguentando a terra...
A paz voltou, é terminada a guerra.
 
Os heróis já tombaram das alturas,
Covardes, bravos, jazem olvidados.
Seus feitos, tudo aos livros relegados,
Nada mais resta, apenas sepulturas.
E eu? Quem sou?
Perguntam eu quem sou?
Pois bem, eu lhes direi: sou um soldado,
Igual a qualquer outro que lutou, que avançou, 

combateu, foi derrubado.
Cruzes iguais... Terrivelmente iguais...
Exército que cresce mais e mais,
No festim diabólico da morte.
 
 Aqui jaz o covarde. Ali o forte.
Aqui dorme um estranho. Ali estou eu...
Mas ninguém sabe como ele morreu...
Não se lembram do campo de batalha,
Nunca ouviram o riso da metralha...
Não sentiram tremer o corpo inteiro
Ao rugido terrível de um morteiro...
Não viram  de perto os olhos do inimigo.
Não sentiram o medo do perigo,
Que nos faz desejar a morte breve.
Nunca sonharam. Nunca, nem de leve.
Mas... Nem todos se esqueceram do soldado
Que está longe, bem longe sepultado...
 
Mamãe, ó minha mãe, se tu soubesses
Que tua imagem adornei com flores,
Que tuas flores foram minhas preces,
Preces colhidas no jardim das dores...
Minha querida mãe, se te contasse
O medo que senti sem teu carinho,
Um medo horrível de morrer sozinho,
Medo mesmo que o medo me matasse...
 
Mas deixei meu abrigo e avancei
Julgando ver a morte a cada passo
Ouvindo o sibilar de um estilhaço...
Parei... Pensei em ti... Continuei...
Minha querida mãe se te dissesse
Que quando derrubou-me uma granada
Atirando-me na terra enlameada,
Foi por ti que chamei desesperado.
Por um instante, deixei de ser soldado
E novamente fui uma criança
Sentindo, então, na morte a esperança
De ainda adormecer no teu regaço,
Mamãe. Matou-me um estilhaço...
 
Minha querida noiva, por que choras?
Relembras certamente as boas horas
Que passamos juntos. Só nós dois...
Íamos casar. Lembras?
E depois... E depois uma casa retirada.
Com Cortinas nas janelas enfeitadas,
Tu me esperando... eu vindo do quartel...
A nossa casa um pequenino céu,
Aberto para a vinda de um herdeiro...
Meu sonho, foi meu sonho derradeiro,
O de beijar-te antes de morrer.
Mas ante o golpe frio da granada,
Beijei apenas a terra ensanguentada.
 
Mamãe, minha noiva, aqui se encerra
Uma história de sangue, esta é a Guerra.
Não chorem. Tudo agora é terminado
Rápido como coisa de soldado...
Mas mamãe...
Se novamente a pobre humanidade
Mais uma vez em busca da verdade
Rufar seus tambores sobre a Terra
Anunciando o sangue de outra guerra,
Se mais um filho a Pátria te exigir,
Sem lágrimas mamãe, deixa-o ir...
Embora te destrua o coração,
Ainda que te alquebre a agonia
Por favor mamãe,
Peça a esse irmão,
Para que seja também de
INFANTARIA !!!!